Nota de Pesar por Carlos Avilez

Uma estória minhota de Carlos Avilez

Na 5ª edição da Escola de Verão para Atores, em 2019, estava prevista uma aula magistral de Jorge Silva Melo que, por motivo de força maior, não pôde vir. Depois de uma ronda de contactos, Carlos Avilez acedeu a vir no dia seguinte, suprir a ausência de Jorge Silva Melo, solidário com este, escrevendo, “pela grande estima que lhe tenho”.
Não tinha que o fazer. Não precisava de, aos 84 anos, vir de Cascais a Viana e regressar no mesmo dia, para dar uma aula que, preveniu logo, não seria aula nenhuma mas uma conversa.
De contínuo, chegou a Viana do Castelo e ao palco do Teatro Municipal Sá de Miranda e, durante três horas, partilhou a sua personalidade artística, a sua experiência e a sua ávida e inabalável curiosidade com o grupo participante na Escola de Verão para Atores 2019, querendo ouvir e falar com cada pessoa, num momento de enorme brilho e inspiração para o coletivo presente.
Foi marcante perceber que aos 84 anos, Carlos Avilez estava absolutamente concentrado no presente, entusiasmado com a Escola Profissional de Teatro de Cascais e com o Teatro Experimental de Cascais, que fundou, mostrando um foco concreto nos projetos futuros, seus e de outros, no teatro, em Portugal e no mundo.
Senhor de um vastíssimo conhecimento, falou na qualidade de colega de cada pessoa na sala, rejeitando qualquer hierarquia ou barreira na comunicação, falando com paixão e mistério, imbuído de um profundo magnetismo.
Teve ainda tempo para trocar impressões com Guillermo Heras a propósito da encenação que o argentino Victor Garcia fez de “As Criadas”, a convite do TEC, em 1972(!), com Eunice Muñoz no elenco.
E partiu tão breve quanto chegou, marcando indelevelmente aquela edição e a história das já 9 edições da Escola de Verão para Atores Guillermo Heras.
Não resistimos a fazer uma inconfidência de algo inesquecível: dias depois, contactado sobre o pagamento da sessão, Carlos Avilez transmitiu, através da sua secretária, que o que fez havia sido apenas para ajudar um colega e uma companhia, pelo que agradecia mas prescindia de qualquer honorário. Mais acrescentou que considerava serem os honorários devidos ao senhor Jorge Silva Melo, deixando-nos com um problema em mãos. Contactado a este propósito, o fundador dos Artistas Unidos exclamou: “Nem pensar! Mas ele é maluco?! – Eu não fiz nada! – Isso é mesmo do Carlos! – Não senhor, nem pensar, era o que faltava…!” Continuando com o “problema” em mãos, voltámos a contactar Carlos Avilez que, depois de muita insistência, acedeu a receber o valor combinado, ainda que discordando.
Por isto mas, mais ainda, por tudo quanto deu de si ao teatro em Portugal no século XX, Carlos Avilez é uma referência que marcou a formação e a carreira de milhares de intérpretes profissionais, pelo que a dimensão da sua obra transcende o seu desaparecimento físico, perseverando para o futuro a sua influência histórica.

Ricardo Simões